Insana Paixão

sábado, março 26





Ele estava morto, eu sabia, pois com mãos trêmulas cortei-lhe os pulsos, seguindo com os dedos as veias que apareceram enquanto ele fazia força para libertar-se; sabia com o gosto que ficara em meus lábios depois de beijar aquelas mãos que tanto amei, sabia quando lembrava-me do cheiro de sua pele enquanto minhas lágrimas misturaram-se ao sangue que derramava-se. Sim, estava morto. Eu o matei. 

Estava amarrado numa cadeira, não fora difícil trazê-lo até aquele galpão abandonado com o pretexto de uma despedida, a verdade é que os momentos que antecederam a sua morte foram de intenso prazer para mim e para ele. Mas quando viu que o prazer acabara e apenas meus instintos mais cruéis permaneceram, o medo tomara conta de meu amor. Desesperados, seus olhos negros e sombrios pediam-me que o soltasse. Jamais pude dizer-lhe não, assim, tirando-lhe a mordaça, colei minha boca na sua uma última vez, mordendo seu lábio inferior com intensidade. Mais uma vez, senti o gosto de sangue. Fora a primeira vez que eu sentira este sabor, esta febre, toda a euforia e toda a essência de meu amado.

Pouco me lembro dos momentos seguintes, apenas da lâmina ferindo a pele morena, do vermelho rubro encher meu olhar e, finalmente, provar o mais íntimo de meu amado, seu sangue não seria desperdiçado, meus lábios sugaram frenéticos o pulso do amante que iria deixar-me, desta vez, para sempre. A palidez de seu corpo sem vida já não me perturbava, arrastei-o sobre um pedaço de cartão e finalmente, joguei-o no lago imundo que jazia abandonado e poluído. 

Parti sem olhar apara trás, apesar de ter nos olhos lágrimas por meu amor perdido, sentia em mim o mesmo frenesi que desfrutara outrora em seus lábios. O estômago pesava-me, tive que parar no caminho para vomitar toda aquela paixão rubi. Mas o bem estar persistia. Por semanas estive bem, nem mesmo vendo o desespero dos que o buscavam nada sentia. Ele era meu vizinho, casado, três filhos. Mas antes de ser casado era meu amante, me fizera sua aos meus quinze anos e por anos fui feliz com ele. Entretanto, nos últimos dias ele resolvera deixar-me, iria embora para outro país e a dor da despedida fora demais para mim. Disse-me que já não me amava. Por isso o matei, por isso eu o tinha agora percorrendo as minhas veias. Deixei a faculdade, não entrei mais em contato com meus pais, nada fazia sentido além de sua presença dentro de mim, pois meu bem estar persistia... até que uma noite eu senti sua ausência. 

Acordei sentido o corpo em febre, a dor do que fizera dilacerava minha alma. Ofuscada pela angústia, caminhei a esmo, até encontrar o caminho que o traria de volta. Quando a nuvem de rancor que obscurecera meus olhos se fora, eu estava novamente no velho galpão; na mesma cadeira, um jovem de cabelos azuis e piercings espalhados pelo corpo estava nu, numa palidez mortal. Senti nos lábios o gosto do sangue. E para meu delírio e suprema magia, eu sentia sobre mim o poder daqueles olhos negros. Virei-me lentamente para a porta, Ele estava morto, mas estava ali. A boca convidava-me, meus olhos estavam fixos nos seus lábios que pareciam hipnotizar-me, enquanto tornava-se cada vez mais visível. Aproximei-me lentamente e meus lábios rubros de sangue tocaram os seus, num beijo devasso, lascivo, insano. 

Vês? Quando aconteceu a primeira vez não planejei, apenas obedeci à saudade que torturava e despedaçava meu juízo. Depois? Depois tornou-se meu vicio, meu fascínio, minha sina, perdi a conta de quantos foram comigo ao velho galpão, moças, homens, jovens ou maduros, todos seguiam-me pela promessa de prazeres indizíveis e sim, eles o tinham, também eu sentia prazer em satisfazer aquela paixão que os tomava, para então, tomá-la de volta para mim enquanto sorvia o sangue que gotejava dos pulsos mais diversos possíveis. E em seguida, meu amor voltava, deleitava-me em seus lábios, em seus carinhos, a morte não nos separara. 

Assim surgiu A vampira, uma assassina temida, manchete de vários jornais. Mas eu não sou uma vampira, apenas através do sangue posso mais uma vez sentir a presença do meu amor. Você não faria o mesmo? A sede foi conseqüência, mas a imprudência tomou-me e agora estou aqui. Os jornais estamparam diversas e exageradas manchetes: Encontrada assassina vampira! Vampira dormia em mar de sangue enquanto vitima agonizava! Estudante de 24 anos enlouquece e mata 14 pessoas. Não estou louca nem nunca estive, mas quiseram julgar-me insana. A minha prisão? Encontraram-me nua, a pele coberta de sangue, adormecida, ele já havia partido. O resto você conhece, foi um dos que mais escreveu sobre mim.

Apenas devo avisá-lo de que saciar sua curiosidade terá um preço, devo avisá-lo de que a sede voltou e só o que me interessa é saciá-la, para que mais uma vez eu possa vê-lo, por isso, perdoe-me, mas devo dizer-lhe adeus. 

Neste instante, um silêncio espalhou-se, seguido por um grito de dor. O que ouvimos ali foi aterrorizante, dir-se-ia que uma fera atacava, resfolegava e exterminara com a vida daquele que fora um excelente jornalista, daquele que em nome de uma matéria, ousara subornar, intimar, convencer para finalmente ter acesso a ela. Daquele cujos débeis gemidos apenas insinuavam-se na gravação... um clique e era o fim. O silêncio tornara-se denso no salão. As pessoas falavam em sussurros, a ansiedade parecia insustentável quando finalmente o chefe de policia chegou ao palanque e as perguntas inundaram o recinto. Finalmente viera a tona a gravação que testemunhara um dos casos mais chocantes da ultima década, uma serie de crimes misteriosos, nefastos, mórbidos. O clique do botão sendo desligado calou não somente uma voz melodiosa, pois o horror das palavras gravadas permaneceram conosco. Uma voz masculina que dizia em tom de adoração: 

- Estou de volta meu amor! Beije-me com teus lábios rubros devolvendo-me a vida!


Um Conto de Tânia Souza

Nota da autora: este conto é uma obra de ficção, não traduz minhas crenças ou opiniões; qualquer semelhança com nomes, fatos ou pessoas reais é mera coincidência.

Comentários 1 Comentário:

Unknown disse...

Adorei!

Conheci o espaço de vocês hoje
e estarei sempre por aqui agora!

Até breve!

8 de janeiro de 2012 às 22:51

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