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O Sétimo


Numa noite muito quente, Ronald derretia de suor em baixo daquela túnica e do capuz. Queria levanta-lo para enxugar o rosto, mas Joana, sua esposa, o impedia segurando-o pelo braço a cada movimento involuntário de leva-lo à face.

Agora era tarde, pensaram simultaneamente, enquanto olhavam em volta, estavam reunidos em um círculo em uma clareira no meio da floresta densa, com outras cinco pessoas cada uma segurava uma vela. Formavam a união das Sombras. No centro deste círculo, uma fogueira, que iluminava mal e tornava tudo muito sinistro.

– Irmã Joana, chegou o momento, ao lado da fogueira, dois membros da seita estenderam um colchonete, para aproveitarem aquela luz.

Joana olhou para Ronald, que segurou as mãos dela, e a levou até o colchonete. Ela apertou a mão do marido, muito forte. Já não tinha mais certeza se ainda queria aquilo.

Ronald deu um beijo na testa, por sobre o capuz da esposa.

– Irmão, disse o homem que parecia ser o sacerdote da seita, agora nascerá o filho das trevas, o sétimo filho desta família, que aceitou o mais desafio de suas vidas: seguir o verdadeiro Mestre. O Mestre das Sombras!

Joana voltou a sentir fortes contrações, tão fortes quanto as que sentira à tarde, pouco antes de ligarem para o sacerdote avisando do ocorrido, confirmando a reunião para aquele local e horário.

Deitaram-na no colchonete. Ela, ainda com o capuz, chorava desesperada, de tanta dor. Doara todos os seus outros seis filhos, mas estranhamente, lá no fundo, apesar de ser muito fria de bons sentimentos, sentia amor por esta criança.

Depois de algumas horas, a criança nasceu, era um menino. E com o sangue da mãe e o fogo, fizeram o pacto das trevas.

Se algum dia os pais temeram o poder do fogo, agora era tarde, e tudo se transformara em verdade. Logo depois do batismo das trevas, a criança já sabia qual o seu destino: destruir essa bobagem do bem!

Agora o caminho deve ser seguido. Ele é o sétimo, o escolhido! E ele sente. A criança nasceu e vive. Vive para o mal. Pertence ao mal e é o mal!

Um Conto de Celly Borges
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Charles Dickens, O Gato Preto











Katherine resolveu deitar um pouco, afinal, estava exausta de limpar a casa a manhã toda. Chamou seu gato preto, Charles Dickens, para descansar com ela.


Dormiram parte da tarde. Quando Katherine despertou, ao seu lado Charles Dickens tomava banho, olhou para a dona com certa tristeza.


– Está com fome, não é, Charlie? – Ela afagou as orelhas do bicho. – Vou conseguir comida para você.


Katherine levantou cambaleando de preguiça – detestava dormir pela tarde, sempre acordava pior do que quando fora dormir. Saiu do apartamento e seguiu para a rua a procura de uma vítima.


Ela não tinha nenhuma preferência, mas o almoço não era para ela, e Charles Dickens sim, era exigente.


Andou até a livraria, a alguns quarteirões do seu prédio. Em frente à vitrine, parado, estava um rapaz, muito bonito por sinal.


Ela parou ao lado dele e se mostrou interessada em um livro em exposição.


– Queria muito ler este – e apontou para o volume. – Mas é caro demais!


– Um absurdo, realmente! – Ele falou bastante entusiasmado. Pronto. Ele tinha caído.


Ela abriu um lindo sorriso que ele retribuiu.


– Sou Katherine Brooks – lhe estendeu a mão.


– Sou Taylor Adams – e retribuiu o cumprimento com um sorriso.


– Estou procurando alguém forte que possa ajudar a levar minha pobre e velha mãe ao hospital.


– Bem, se você quiser, posso ajudá-la.


– Só se não for incomodá-lo.


– Claro que não!


– Vamos então, por aqui.


Os dois seguiram ao apartamento conversando sobre livros. Mas Taylor pensava na beleza da nova amiga. E talvez depois de levar a mãe dela ao hospital, ele poderia convidá-la para sair.


– Chegamos. Entre, vou buscar minha mãe – ela usou um tom de voz bastante suave.


Taylor foi até a sala, começou a olhar as fotos dispostas nas paredes. Bizarro, pensou. Eram imagens do chão, cama, e vários outros lugares sem pessoa alguma.


“Cada um com sua mania”, pensou talvez mesmo em voz alta.


Como Katherine estava demorando, ele resolveu conhecer o lugar. Olhou em volta. “Que sala mais bagunçada e suja”. Sentiu uma ponta de arrependimento de ter entrado ali. Mas antes que pudesse pensar em sair, já era muito tarde. Alguma coisa o atingiu em cheio na cabeça e tudo escureceu.


– Charlie, sua comida chegou, agora é só corta-la – ela sorriu e seus olhos transmitiam insanidade.


Com horrorosa precisão ela cortou a carne, separou uma parte para o gato e outra para guardar em potes no freezer.


– Charlie, coma meu pequeno bebê – ela acariciou as orelhas dele. – Enquanto isso vou me livrar dos ossos.


Ela deixou um pires com a carne para Charles Dickens e levou os restos para a lixeira em frente ao prédio.


Por vários dias Charles Dickens teria sua ração.


Algum tempo depois Katherine acordou com fortes batidas na porta.


– Já vou. Já vou – gritou calçando a encardida pantufa, com paciência absurda vestiu o roupão e seguiu para a porta.


– Pois não? – perguntou com voz suave.


– Senhora, somos da polícia...– Oh, aconteceu alguma coisa?


– Ainda não sabemos. Mas alguns vizinhos seus disseram sentir um cheiro muito forte vindo do seu apartamento. E pelo jeito eles têm razão.


Katherine continuava olhando como se nada estivesse acontecendo.


– Teremos de inspecionar seu apartamento.


– Claro, sem problemas – ela deu passagem a eles.


Os policiais entraram e o cheiro realmente estava insuportável. Eles tentaram se proteger colocando as mãos no nariz. Um policial foi direto à cozinha, abriu o freezer e ficou horrorizado com o que viu.


O outro policial, no quarto, não conseguiu agüentar e vomitou ao lado da pilha de carne humana apodrecida sobre um pires.


Enquanto isso, Katherine se sentou no sofá e acariciou Charles Dickens, enrolado do seu lado direito.


O policial que estava próximo ao freezer pegou o celular e discou um número, olhando de quando em quando para Katherine.


– ... Imediatamente! – Foi a única palavra que ela conseguiu ouvir.


Alguns minutos mais tarde uma ambulância estacionou em frente ao prédio. Os enfermeiros entraram e levaram Katherine para o hospício, sem que ela contestasse.


– Katherine – começou o psiquiatra –, entenda, você tem uma terrível alergia a pelos de animais, você não pode e nem nunca teve um gato.


Ela foi mandada de volta ao quarto.


Katherine estava deitada na cama acariciando Charles Dickens, o gato preto.


– Você está com fome, não é meu bebê?


Em seguida um enfermeiro entrou. Mas não saiu.


Um conto de Celly Borges
 

Dezembro 13 © Copyright 2010

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