A Vítima Perfeita

domingo, março 20





    Quando noite, nossos demônios se libertam, as mascaras caem, fantasias se desmancham; somos quem não somos, somos quem realmente somos, anjos se tornam putas, marmanjos e valentões choram sozinhos como crianças perdidas. Quando noite, nossas verdades se viram contra nós, abraçando-nos ou nos batendo, beijando-nos ou nos castigando.

    Na noite estamos sozinhos e não há ninguém para nos proteger.

    É na noite que Atreyo sai à caça, um noctâmbulo filho da lua como ele mesmo se autodenomina; um rapaz bonito, cabelos e olhos negros que se realçam com suas vestes também escuras. “Um homem de negro é um homem sem destino”, é sua resposta quando questionado pelo seu gosto por roupas escuras; e é assim que ele vaga noite afora, sem destino, vai de bar em bar, de boate em boate, à procura da vitima perfeita: uma bela mulher para alimentar sua fome insaciável, seu desejo por conquistas, sua gana por prazer, ele vaga. Em cada parada, seus olhos quase hipnóticos procuram por olhos carentes de hipnose, os olhos revelam o que há no coração e Atreyo procura por um que esteja pedindo para ser conquistado.

Já são quase 4h da manhã e apesar de já ter estado em quase todos os points noturnos da cidade, ele ainda não encontrou, logo o sol nascerá e ele precisa ir embora, mas resolve tentar em um último local, uma boate recém-inaugurada chamada Anjos & Demônios, um nome perfeito para caçadores noturnos.

    Ele entra e caminha direto ao bar. Pede um martíni enquanto seus olhos percorrem o local. No centro da pista estava ela, uma jovem de longos cabelos negros encaracolados, balançando seu belo corpo, como se sua dança fosse um ritual de conquista. Atreyo percebe que todos em volta da jovem estão completamente paralisados, observando todos os movimentos da morena que sobe e desce sem parar, girando, rebolando, em total frenesi.

    Os flashes congelam seus movimentos, aumentando ainda mais o efeito da dança sobre todos em sua volta; homens e mulheres a desejam, outras a invejam, mas a cada vez que gira os cabelos no ar, é Atreyo que seus olhos procuram, porém ele é um caçador fascinado por conquistas e, apesar de também sentir uma enorme atração pela sensual dançarina, não é o que ele procura (ela demonstrou interesse por ele, mas o que satisfaz a gana desse jovem, é saber que conquistou). Procura por alguém que não se demonstre interessado de início, mas que acabe se rendendo ao decorrer da conversa ou dos olhares, para ele isso é mais satisfatório do que o prazer por si só. Garotas que não necessitem serem conquistadas sempre deixam a sensação de que falta alguma coisa.

     jovem continua seu ritual luxurioso, mas os olhos do rapaz voltam a vasculhar o local e, de repente, avista, sentada em um sofá no fundo da boate, outra jovem morena. Sozinha. Olhos tristes recaídos sobre a mesa em sua frente. Em um ambiente mais escuro que o resto do local.

    Era a única no local que não estava dominada pela dança da primeira jovem. Esta é a vítima perfeita, ele pensa. Aproxima-se da jovem e maliciosamente pergunta se pode se sentar, ela consente com uma leve mesura, sem nem sequer olhar diretamente para Atreyo.
Ele se senta e, quando prepara sua lábia para atacar, a moça o olha nos olhos e pergunta por que ele não está babando por sua irmã igual a todos os outros ali.

    - É sua irmã? - Atreyo pergunta olhando para a dançarina que ainda o observa sem parar.

    - Sim, é minha irmã mais velha. Veja como estão todos de boca aberta a vendo dançar, não sei como você também não está lá no meio deles.

    - Ela não faz exatamente o meu tipo, gosto de beleza natural, assim como você. Sem muita maquiagem, sem usar roupas escandalosas. É a mais bonita da noite.

A jovem esboça um leve sorriso com o galanteio do rapaz e o faz perceber que está alcançando sua meta.

    - Ela deve estar frustrada com isso, é acostumada a ter todos aos seus pés.

    Após alguns minutos de conversa a jovem abandona sua postura triste do início e passa a rir com os elogios de Atreyo. Ele realmente sabe seduzir uma mulher e essa já está na dele, porém se sente perturbado com o olhar da dançarina que ainda o observa, só que desta vez o olha com certa raiva. Usa um argumento e sai da vista da irmã dançarina, ele pergunta se a moça quer trocar de sofá. Ela aceita, o que lhe dá oportunidade de lhe acariciar o rosto enquanto fala, testando até onde ela o deixaria ir. A jovem não o impede, a cada nova palavra, Atreyo se aproxima mais e mais da garota, acariciando sem parar seu rosto, olhando o colo da jovem, parece que o convida. Sem pensar duas vezes, aceita o convite silencioso e se lança a um beijo no pescoço da jovem, ela não o detém. Atreyo continua beijando e mordiscando, enquanto suas mãos passam a percorrer todo o corpo.

    Quando ele tenta abrir os botões do vestido simples, ela reluta, mas acaba deixando que lhe toque os seios. Beija-lhe a boca carnuda e volta para o pescoço, sentindo aquele cheiro que o enlouquece, cheiro de fêmea no cio. Cheiro de sexo. Novamente, mordisca o pescoço da bela jovem, quando sente doloridas picadas no pescoço. O sangue escorre para o peito. Assustado, ele se afasta e a vê com os lábios cheios de sangue. Sangue que também ensopava parte de se vestido e seus voluptuosos seios ainda à mostra.

    Atreyo começa a perder a visão, sente-se fraco, mas consegue ouvir os aplausos vindo de suas costas, ele se esforça para olhar e ver que todos agora o cercam, todos com enormes caninos na boca aplaudem e gargalham, vendo Atreyo perder seu sangue e a dançarina, à frente dos malditos espectadores, era quem mais aplaudia (e com uma certa ironia), riu parabenizando a irmã caçula pela conquista, esta responde:

    - Eu te disse que a vítima perfeita é aquela que procura por seu caçador, e quanto à você Atreyo, não se preocupe, eu não o condenei a vida eterna, não lhe tirei sangue suficiente para isso. Não sou tão má assim, minha irmã é quem gosta de colecionar súditos, eu dou às minhas vítimas o destino que eu queria para mim. Foi-me negado o direito de descansar em paz, você irá sangrar até a morte e nem precisa me agradecer. Agora precisamos ir, o sol já está nascendo. Boa noite, querido. Descanse em paz.

    Atreyo a ouve dizer enquanto sua vida lentamente deixa seu corpo.

    - A vítima perfeita é aquela que procura por seu caçador...


Um Conto de Márcio Renato Bordin



Nota: conto publicado na antolôgia "O Livro Negro Dos Vampiros" pela editora Andross.

Comentários 1 Comentário:

Unknown disse...

Este texto é realmente uma surpresa. Já o havia lido, há muito, qdo o D13 ainda era no wordpress e, mesmo assim, senti o improvável se aproximando ao final do conto. Show, piá!

20 de março de 2011 às 11:51

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