Locução Proverbial

terça-feira, março 8





Estória livremente inspirada na idéia do conto “O bebê da Tarlatana Rosa”, que faz parte da obra Dentro da Noite, de João do Rio (1881 – 1921)

Não rara são as vezes que embriagamos o espírito durante a travessia desta alameda pavimentada de sugestões insinuantes! De caráter, mesmo, perfunctoriamente lascivo! Raro, talvez, as que perdemos a estenia da razão, e passamos a viver a existência do retardo. Mas elas, aqui e ali, espreitam e, decididas, dão-nos as mãos.
Produto do século XIX, de uma era de prosperidade e paz a uma sociedade, para maior festa de rua do mundo! Cafarnaum contemporâneo de brasas desejosas! Semente, ontem e hoje, de ensejos cobiçosos, que serpenteiam pelas vielas mal iluminadas da nossa consciência a fremir libertinamente!
 É mister acrescentar, numa espécie de digressão, creio, que algum, ou outro, vocábulo passa-me por pedante, conquanto esta impressão não perturba-me, ao contrário. Acusado, por vezes, de pernóstico, não faço-me de rogado, e mesuro com um breve sorriso, onde presto um laivo de cretinice, que serve, deliberadamente, para cimentar tal argumento. Sarcasmo e vitória notar-se-ão sempre nesta mancha! E nesta data, tais predicados parecem recrescer, na explicita intenção de seduzir quem quer que se impressione com. E não são poucos, e poucas, aqueles que apaixonam-se agudamente por demonstração orgulhosa de sapiência e lascívia.
Todavia, há tolerância, tácita ou escandalosa, a tudo. Ao chegarmos à porta aberta do precipício, é comum entrarmos aos tropeços e logo tombarmos com o rosto sendo o primeiro a esborrachar-se no chão frio e rijo do apertado cômodo do limite. Pois bem, desta feita, o olhar sardônico e obliquo entestou-me resolutamente!

***
 Apresentou-se como bela e irresistível, com toda a licença da redundância destes dois artifícios, à olhos com sede. E, sem pestanejar, joguei-me em seus domínios, julgando impreterível sabê-la por completo. Existe mesmo, nas ocasiões onde paixões são as únicas anfitriãs do espetáculo que se arma em nossa alma, uma centelha de natureza quase divina a nos iluminar o caminho trêfego que se mostra diante do objeto que fulgura desejo. E os costumes da ocasião intensificaram a fantasia que ensejara esta minha consideração!
Uma, duas, três, quatro. A matemática perdia sua lógica à medida que nós pulsávamos pele fita em obséquio do êxtase, da mesura que nasce e morre faminta na inconstância do desejo. Analisávamos com minúcia cada reentrância do relevo que dava forma àquilo que usávamos para refocilarmo-nos no gozo das sensações que nos assaltava. Odores aziagos imiscuíam-se em aromas floris, levando-nos a um passeio singular, repleto da retórica peculiar do querer avarento e egoísta. Aquele próprio do vulgar hedonismo que logrou há muito moradia em nossa alma. Fulgurávamo-nos no seio da luxúria que parecia sempiterna, malgrado a malsina sibilina que sussurrava-me, como um alerta olvidado forçosamente por nossas atitudes tão resolutas. Tal tácita denuncia, se empregasse esforço mais hercúleo, se meu inconsciente tratasse estas extraordinárias tarefas com mais respeito, estaria eu, quem sabe, inteiro na empresa que dedico-me neste momento. Contudo, a natureza insólita de uma série de vicissitudes dos autos que se apresentam rutilantes, fazem-nos mais estúpidos do que legisla o comum, o ordinário das leis naturais. Assim, despencamos para a miséria do jugo lúrido de tudo aquilo que não entendemos.
A tolerância antes citada apresentou-se, em seu termo, como escaramento medonho. Esfolou-me a coragem como a rés é antes de terminar em nossas mesas. Hoje pago a dívida contraída com a corrupção da carne sofrendo a discrepância do ditame, redundantemente zombado pelo egrégio terror que opugna-me as noites e os dias. Passo a ver os orifícios escuros que desfibram-me. Sinto o calor que exalavam a denegir tudo aquilo meu que tocavam, transformando-me num fantasma de covardia e pavor. Vejo aquilo que se convenciona a parte externa do sistema respiratório deixar seu natural endereço e acompanhar-se de um riso brutal, rouco e bilioso. A chaga intumescida cospe a aflição no vão contíguo que a liga ao lábio superior, criando a danação demoníaca perfeita. O dantesco ataca crispando-me o espírito e tudo o mais que resulta das suas misturas.
Despencamos.

***

Levanto-me religiosamente neste horário sem compreensão, uma vez que o sono insubordina-se ao levantar, ao que quer que seja o afazer. Inútil tal resistência da fisiologia que me lembra das suas necessidades e de como o corpo sofrerá as conseqüências. Ergo-me e cravo a direção na imagem que se estampa na lisa superfície que reflete a luz sobre ela recendida. Quando a claridade, permitida pela cortina que se afasta com o empurrão da brisa que entra álgida pela janela aberta, a deixar as luminárias presas aos postes, empresta um contorno mais nítido ao reflexo em minha frente, entendo o momento. Lembre-se, homem de inconseqüência! Lembre-se!
Meu rosto esboça, naquele espelho, um sorriso carregado. Mas a dor barafunda assim que enxergo as fossas nasais, lutulentas e repletas dos seus necessários mucos. 

Um Conto de Victor Meloni

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Dezembro 13 © Copyright 2010

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