Lenta Agonia

terça-feira, março 1






Ramiro respirava com muita dificuldade. O ar parecia a qualquer momento querer sair totalmente de seus pulmões, quando ele expiraria pela última vez. Só conseguia pensar: “Chegou a minha hora”. Estava feliz. Finalmente ele deixaria de ouvir aqueles sons em sua cabeça, sons que o atordoavam dia e noite... Como se alguém falasse lá dentro, uma língua estranha, que ele não conseguiria jamais compreender...

Nos últimos anos, ele convivera apenas com as almas penadas dos que se foram, sem escolha, após sofrerem horrores em Sagrado. A pequena cidade, não muito maior que uma vila, nunca mais foi a mesma depois que seres estranhos passaram por ali, há dezoito anos. De cabeças disformes, corpo esverdeado, vieram em uma nave e levaram todas as crianças. Ramiro chorava todas as noites por Luiza, que agora deveria ser pequenina somente para ele, em suas lembranças...

Os seres estranhos fizeram surgir um campo magnético em volta de Sagrado e para sempre o local sumiu do mapa. Colocaram uma espécie de torre no centro da cidade, como se ali estivessem os olhos deles, que a tudo observavam. Os adultos que ficaram ali seriam, a partir daquele momento, simplesmente cobaias daquele povo, interessado em estudar as sensações e os sentimentos humanos. Curiosamente, conseguiam controlar os instintos suicidas, para que nenhuma cobaia fosse desperdiçada. Os habitantes eram como ratos de laboratório, sobrevivendo em uma gaiola, apenas vendo os dias passarem.

Os seres voltaram outras vezes, incontáveis vezes. Andavam pelas ruas desertas da cidade, enquanto os poucos habitantes ficavam trancados dentro de suas casas. Entravam na torre que tudo controlava, passavam um bom tempo ali, observavam plantas, os animais que ainda restavam, faziam barulhos horripilantes e exalavam um cheiro nauseante, desconhecido na Terra. Depois iam embora, como se não houvesse ninguém ali na cidade...

O homem agonizante sentou em um dos bancos que sobraram de uma praça que, em um dia qualquer do passado foi frequentada por pessoas felizes, pacatas, gente que tinha Sagrado como um verdadeiro paraíso de tranquilidade. As mesmas pessoas que, no decorrer daqueles anos, foram definhando de tristeza, solidão, incredulidade, loucura... Até se tornarem apenas espectros. Se eram fantasmas reais ou somente sua imaginação, Ramiro não conseguiria nunca dizer... As imagens das pessoas que um dia conhecera surgiam à sua frente, conversavam com ele, faziam perguntas, lembravam-lhe de acontecimentos já esquecidos. Mas elas estavam mortas, ele sabia disso. Ele mesmo havia enterrado muitas daquelas pessoas. No dia seguinte ao enterro, porém, não havia corpo nenhum na cova aberta.

“Levem-me com vocês! Não aguento mais...”, murmurou, sem forças, quando alguns desses fantasmas pareceram chegar mais perto, como se quase pudesse tocá-los...

Uma pergunta ecoava em sua mente, enquanto o ar entrava em sua garganta, como se rasgasse a carne do interior de seu pescoço: “Por que eu o último? Que fiz eu para merecer isso?” Certamente estava expiando todos os seus pecados. Não deviam ser poucos. Enquanto se fazia essa pergunta, os ruídos atordoantes continuavam, agora mais alto... Era como se ele estivesse sendo engolido por isso e tentou gritar, mas em vão, não tinha mais forças...

Resignou-se quando a respiração cessou. Sentiu-se aliviado, até... Esperara muito tempo pela sensação de liberdade daquela hora. Um leve torpor tomou conta de seu corpo e a falta de ar fez com que começasse a se contorcer, debatendo-se em desespero. As vozes e os ruídos já não importavam mais...

“Luiza...”

Era a única palavra que lhe surgia à mente, como se aquele nome servisse como um poderoso anestésico para qualquer dor que pudesse estar sentindo naquele momento. Em segundos, pensou que seu corpo talvez ficaria ali, decompondo-se, por dias a fio. Ou seria levado pelos seres?

Depois de morto, o corpo de Ramiro ficou ali por semanas. Não havia nenhum animal que o atacasse, apenas os decompositores faziam o seu trabalho. Quando os seres estranhos chegaram, depararam-se com os restos mortais dele, no meio da praça, próximos ao banco. Soltando grunhidos, comunicavam-se telepaticamente.

“Era o último.”

“Sim. Missão finalizada. Seres de sensações muito primitivas. Facilmente manipuláveis. Impróprios para o consumo.”

“Procurar outra civilização.”

Destruíram o campo magnético. Removeram a torre e deixaram o corpo de Ramiro ali, pois não viam nele mais nenhuma utilidade, da mesma forma que as crianças levadas tempos atrás: só sabiam gritar, enquanto um líquido escorria de seus olhos. A única solução possível tinha sido a desintegração, já que não serviam para mais nada de útil. Tinham perdido tempo demais naquele planeta. Certamente existiriam outros onde achariam um organismo que representasse o alimento perfeito...







Um conto de: Bia Machado

Comentários 2 Comentários:

Polzic disse...

Muy bueno tu blog! Te invito a visitar el mio!

www.legosargentina.blogspot.com

Gracias!

24 de agosto de 2009 às 17:40
Pedro Moreno disse...

Muito bom. Adicionei seu blog como favorito no meu...

25 de agosto de 2009 às 11:47

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