"O que há de característico no terror pânico é que ele não está claramente consciente dos seus motivos; mais os pressupõe do que os conhece e, se necessário, fornece o próprio temor como motivo do temor" (Arthur Shopenhauer)
Caninos afiados. Rasgando tecidos. Moles e duros. Estes últimos moídos. Triturados. Artérias explodindo. Jorro acurado de sangue e outros líquidos. Plasma. Sua parte menos nobre. Assustadora do mesmo jeito. Mandíbulas. Abrem e fecham com incrível furor. Ele grita: me mostre como viver! Membros estraçalhados na substância do terror. O âmago tétrico da dor provocada. Dor física. A mais temida. Finos em uma extremidade. Grossos na outra. Lindo projeto. Fura, depois dilacera. A máquina enfurecida de anseio. Anseio da morte. Do estômago. Da fome que incentiva. Não pára. Incansável loucura. O horror sobeja na besta. O medo ejeta. Os membros paralisam. Depois se separam. Fêmures, tíbias e úmeros. Rádios e ulnas. Ligamentos e tendões. Conheceram a violência do apetite interminável. Aorta e femoral. Suas paredes internas destroçadas. Seu liquido, antes contido e vermelho negro, jorra em todas as direções. Mancha as gengivas escarlates. O negrume adjacente à base das presas. Gritos são lugar comum. Os de terror. Os de ódio. Os de suplica. Os de sentença. Pressão sobre o tórax. O esterno se rompe. Um baque seco. Garras entram. Garras saem. Entram sujas. Saem imundas. Entram secas. Saem encharcadas. O apocalipse sente vergonha. A besta fera ruge. Os leões se calam. Rabos entre as pernas. Procurando suas tocas. Admitem-se covardes. A criatura grita, em meio a nacos presos nas lanças infernais outrora parente dos dentes: Mostre-me como viver! As trevas se alinham com seu tom. A escuridão lhe pede licença. Também o teme. A noite ensaia um realce. Como quem quer mostrar solidariedade. O arauto de Tânatos aquiesce. Todavia, estabelece uma condição! Mostre-me como viver. A lua, negra, convenientemente, estende um feixe de sua luz pestilenta em meio à densidade extravagante do breu e indica o caminho à questão levantada pela criatura. E quando encerra? Pergunta novamente o infame. No horizonte avista um conjunto harmonioso desenhando um movimento basculante. Suas narinas se expandem e se retraem nervosamente. O cheiro de comida nutre o invencível arremate de sua natureza. Mostre-me como viver! Pois aí está tua resposta, sorriem o satélite natural e sua indissociável treva. Fomentadores da desgraça que corre o mundo sob o auxilio de membros hirsutos e vigorosos. Uma fileira amarelada e irregular com dois incisivos raivosamente maiores em cima, e dois de mesma expressão em baixo, se apresentaram. Saliva escorrendo para garantir sua tarefa. O pobre devia ter morrido de susto. Mas nunca o fazem. Sobram, então, todos os detalhes sórdidos da tortuosa refeição. Não raro, há comensais. Mostre-me como viver! Ele entendeu. O lobo está comendo.
Um conto de: Victor Meloni
4 Comentários:
Que conto é este? De prender a respiração, muito bom!!!
É verdade, Tânia. Como diz a turma da roça: é um contão! Parabéns, Victor! Fico feliz de ter convivas que escrevem tão bem.
Não faltou nada em toda esta incrível descrição. Li num fôlego só. Excelente, Victor.
Muito bom este conto, concordo com os amigos! Parabéns Victor! ^.^
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