O Lobo

terça-feira, março 1







"O que há de característico no terror pânico é que ele não está claramente consciente dos seus motivos; mais os pressupõe do que os conhece e, se necessário, fornece o próprio temor como motivo do temor" (Arthur Shopenhauer)

Caninos afiados. Rasgando tecidos. Moles e duros. Estes últimos moídos. Triturados. Artérias explodindo. Jorro acurado de sangue e outros líquidos. Plasma. Sua parte menos nobre. Assustadora do mesmo jeito. Mandíbulas. Abrem e fecham com incrível furor. Ele grita: me mostre como viver! Membros estraçalhados na substância do terror. O âmago tétrico da dor provocada. Dor física. A mais temida. Finos em uma extremidade. Grossos na outra. Lindo projeto. Fura, depois dilacera. A máquina enfurecida de anseio. Anseio da morte. Do estômago. Da fome que incentiva. Não pára. Incansável loucura. O horror sobeja na besta. O medo ejeta. Os membros paralisam. Depois se separam. Fêmures, tíbias e úmeros. Rádios e ulnas. Ligamentos e tendões. Conheceram a violência do apetite interminável. Aorta e femoral. Suas paredes internas destroçadas. Seu liquido, antes contido e vermelho negro, jorra em todas as direções. Mancha as gengivas escarlates. O negrume adjacente à base das presas. Gritos são lugar comum. Os de terror. Os de ódio. Os de suplica. Os de sentença. Pressão sobre o tórax. O esterno se rompe. Um baque seco. Garras entram. Garras saem. Entram sujas. Saem imundas. Entram secas. Saem encharcadas. O apocalipse sente vergonha. A besta fera ruge. Os leões se calam. Rabos entre as pernas. Procurando suas tocas. Admitem-se covardes. A criatura grita, em meio a nacos presos nas lanças infernais outrora parente dos dentes: Mostre-me como viver! As trevas se alinham com seu tom. A escuridão lhe pede licença. Também o teme. A noite ensaia um realce. Como quem quer mostrar solidariedade. O arauto de Tânatos aquiesce. Todavia, estabelece uma condição! Mostre-me como viver. A lua, negra, convenientemente, estende um feixe de sua luz pestilenta em meio à densidade extravagante do breu e indica o caminho à questão levantada pela criatura. E quando encerra? Pergunta novamente o infame. No horizonte avista um conjunto harmonioso desenhando um movimento basculante. Suas narinas se expandem e se retraem nervosamente. O cheiro de comida nutre o invencível arremate de sua natureza. Mostre-me como viver! Pois aí está tua resposta, sorriem o satélite natural e sua indissociável treva. Fomentadores da desgraça que corre o mundo sob o auxilio de membros hirsutos e vigorosos. Uma fileira amarelada e irregular com dois incisivos raivosamente maiores em cima, e dois de mesma expressão em baixo, se apresentaram. Saliva escorrendo para garantir sua tarefa. O pobre devia ter morrido de susto. Mas nunca o fazem. Sobram, então, todos os detalhes sórdidos da tortuosa refeição. Não raro, há comensais. Mostre-me como viver! Ele entendeu. O lobo está comendo.





Um conto de: Victor Meloni

Comentários 4 Comentários:

Tânia Souza disse...

Que conto é este? De prender a respiração, muito bom!!!

17 de agosto de 2009 às 14:32
Luciano Barreto disse...

É verdade, Tânia. Como diz a turma da roça: é um contão! Parabéns, Victor! Fico feliz de ter convivas que escrevem tão bem.

20 de agosto de 2009 às 06:15
Desativado disse...

Não faltou nada em toda esta incrível descrição. Li num fôlego só. Excelente, Victor.

21 de agosto de 2009 às 06:55
Heidi Gisele Borges disse...

Muito bom este conto, concordo com os amigos! Parabéns Victor! ^.^

21 de agosto de 2009 às 15:54

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